Aquele sentimento que é a plenitude da beleza, que completa totalmente a alma. Ápice do deleite.
Além da felicidade, apogeu. Íntimo, único e lírico. Máximo, lépido e épico. Eu quero.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O amor em toda a parte


    Love actually is all around - Na verdade, o amor está em toda a parte -, uma das frases iniciais do filme, descreve perfeitamente a sua essência. Richard Curtis, já conhecido pelo sucesso no roteiro de "Quatro Casamentos e um Funeral", "Um Lugar Chamado Nothing Hill" e "O Diário de Bridget Jones", conseguiu inovar ainda mais a temática mais explorada no universo cinematográfico, sem deixar a desejar, no roteiro e direção de "Simplesmente Amor".
   
    O enredo, um emaranhado de pequenas histórias que se conectam entre si, acontece durante as cinco semanas que antecedem o natal e mostram as inúmeras facetas do sentimento mais desejado e temido que existe, o amor. O filme possui um elenco digno de tapete vermelho que vai dos mais ilustres atores britânicos (Hugh Grant, Alan Rickman...), aos já consagrados americanos (Billy Bob Thornton, Laura Linney...) e até mesmo ao santo da casa Rodrigo Santoro.

    Fraternal, passional, platônico, lacônico, sensual, físico, químico, biológico... não importa o tipo, o amor está lá. Ao todo são 19 personagens em mini-tramas que se esbarram e se tangenciam numa Londres natalina, vivendo e descobrindo o tal sentimento. Traição, morte, casamento, viagem, decepção, encanto e outros ingredientes temperam as cenas genialmente escritas por Curtis, que vão do drama à comédia em um minuto. A tendência poderia ser perder-se em meio às histórias, mas a conexão das cenas é feita de maneira inteligente, que prende o expectador à tela por completo. Principalmente com a ajuda especialíssima da bela fotografia de Michael Coulter e de uma trilha sonora excepcional, que contribui em peso para o encanto da película.

    Um fato curioso e agradável, que pode passar despercebido por alguns expectadores é a utilização frequente da palavra actually (na verdade, de fato), presente no título original, durante vários diálogos do filme, fazendo um interessante jogo de palavras. Outro ponto a se notar, é a relação do primeiro-ministro da Inglaterra (Grant) com o presidente dos EUA (Thornton), onde é possível notar uma sutil crítica à relação inglesa com o então presidente americano na época, George Bush. O discurso feito pelo personagem de Grant é um desabafo contundente que surpreende ainda mais por aparecer em um filme tão leve.

    O filme possui vários destaques. Talvez os melhores sejam o grande Bill Nighy, como um astro de rock ultrapassado e sem escrúpulos numa tentativa de retornar às paradas com uma música irritante; Hugh Grant, como primeiro-ministro que se apaixona por uma assistente; e Colin Firth, no papel de um escritor recém-traído pela esposa que não consegue se comunicar com a mulher portuguesa que vai trabalhar em sua casa. É impossível e inútil descrever aqui todos os destaques do longa pois ele em si, é um destaque.

    "Simplesmente Amor" é um filme que emociona. São histórias da vida cotidiana mostradas de maneira a deixar qualquer um com os sentimentos à flor da pele, principalmente no natal, mostrando que, de fato, o amor está em toda parte. Richard Curtis, na sua estréia como diretor, contou com todo o necessário para fazer um grande filme e, certamente, o fez. O enredo, os personagens, as tramas e o filme são simplesmente... amor.



"Simplesmente Amor" (Love Actually)
Roteiro e Direção: Richard Curtis
Com: Hugh Grant, Liam Neeson, Colin Firth, Laura Linney, Emma Thompson, Alan Rickman, Keira Knightley, Rodrigo Santoro, Bill Nighy, Rowan Atkinson, Andrew Lincoln, Billy Bob Thornton
Ano: 2003

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Novo Mundo nas conquistas de uma mulher


      A autora já consagrada de "A Casa dos Espíritos" e "A Cidade das Feras" se saiu ainda melhor em 2006 quando misturou História e ficção mostrando a vida de uma mulher e a conquista do Chile no livro "Inés da Minha Alma". A jornalista e escritora chilena Isabel Allende retratou de maneira excepcional o período de colonização da América Latina e Inés Suárez, espanhola da Extremadura que viajou ao Novo Mundo em busca de seu marido e acabou protagonizando um papel essencial ao lado do conquistador Pedro de Valdívia.
      A história é narrada pela própria Inés, numa espécie de diário que ela escreve já no fim da vida, com o objetivo de relatar experiências à sua filha. Isabel Allende utiliza-se de ricos recursos literários para prender a atenção do leitor a cada acontecimento e a tradução de Ernani Ssó faz juz à qualidade da autora. O plano de fundo da vida de Inés Suárez na América Latina no século XVI é o terror e o encanto da descoberta do Novo Mundo. Espanhóis lutando contra os indígenas, Francisco Pizarro depois de já ter subjugado o Império Inca, a vida numa América imersa em medo e ainda embrionária apesar de milenar, longe de ser o que é hoje. Cidades como Lima, Cusco e Santiago são relatadas em seu início, e a autora descreve de maneira impressionante a realidade da época.
      Inés Suárez é uma mulher à frente de seu tempo em diversos aspectos. Em 1537 parte sozinha para o Novo Mundo e enfrenta inúmeros preconceitos e adversidades para conseguir ser aceita na sociedade patriarcal e extremamente machista da época. Além disso, ao lado de Pedro de Valdívia, figura crucial na História do Chile, ela viaja pela América do Sul, atravessando desertos, enfrentando a força da natureza e dos nativos, tornando-se, enfim, fundamental na conquista do Chile e na fundação da cidade de Santiago.
     
O livro apresenta uma atraente sucessão de amor e guerra. A vida amorosa de Inés é retratada de maneira tão veemente quanto o horror das batalhas entre espanhóis e indígenas. As descrições das lutas, dos costumes da época e da própria personagem são fruto de intensa pesquisa feita pela autora antes de escrever o livro, pois as façanhas da heroína não são assunto trivial entre os historiadores. Fatos históricos se unem à imaginação de Allende e formam um relato que encanta qualquer apaixonado pelo continente e sua História.
      Pincelando um pouco as atitudes dos espanhóis do século XVI, tornando-as mais brandas, Isabel Allende escreveu uma obra digna do título de romance épico ou epopéia. "Inés da Minha Alma" demonstra o atroz e fascinante "nascimento" da América do Sul como é conhecida hoje. São contos dentro de contos, personagens sem nome que construíram, pouco a pouco, um a um, a história do nosso continente, em especial do Chile. Desejo, luta, coragem, garra e amor são os combustíveis principais da obra. De fato, uma crônica das conquistas de uma mulher e de um país repleta de combates sangrentos e paixões ardentes.

                                                                                                             Ana Elizabeth S. de Azevedo

Inés da Minha Alma
Autor: Isabel Allende
Tradução: Ernani Ssó
Editora: Bertrand Brasil
Quanto: R$ 45,00 (322 págs.)

Onde, como e por que suprema felicidade?

    O filme "A Suprema Felicidade" marca a volta de Arnaldo Jabor depois de quase 24 anos longe dos cinemas. De maneira nostálgica e confusa, o jornalista e diretor tenta reproduzir sua infância e juventude no Rio de Janeiro pós-guerra.
    O personagem principal, Paulinho (Jayme Matarrazzo), é apresentado com oito anos festejando o final da Segunda Guerra na vila onde mora. O bairro apresenta bem os tipos característicos da época. A família de Paulinho é focada em seus dramas: o pai (Dan Stulbach), aviador fracassado e machista; a mãe (Mariana Lima), cantora frustrada reprimida pelo marido; a avó (Elke Maravilha), uma polaca libertina; e o avô Noel - o personagem mais interessante do filme, interpretado por Marco Nanini.
    Depois que o enredo é apresentado, esperamos alguma ligação entre os acontecimentos enquanto vemos, de forma não linear, o decorrer da juventude de Paulinho. Mas continuamos a esperar essa ligação durante todo o filme e ela não chega a acontecer. As memórias de Jabor se misturam em cenas desconexas e inconclusivas. Vemos a deterioração da relação dos pais de Paulinho, trechos de sua infância com os vizinhos e no colégio católico, suas relações com o melhor amigo, primeiro amor, prostitutas e a iniciação sexual com a ajuda do seu avô. A ausência de início, meio e fim nem sempre é algo negativo - aqui é.
    Nanini em “A Suprema Felicidade” representa a boemia de um “bon vivant” que tenta passar seus conhecimentos e experiências de vida para o neto. "A vida gosta de quem gosta dela", deixa claro o músico Noel. Numa atuação impecável, Nanini guarda em seu personagem toda a “felicidade suprema” que conseguimos encontrar durante o filme.
    A maioria das cenas permanece sem resposta para o “Como?” e “Por que?”. Arnaldo Jabor, talvez ainda preso ao Cinema Novo dos primeiros anos de sua carreira, peca na tentativa de mostrar a sensualidade da época em que produzia seus filmes, com personagens que surgem do nada e somem da mesma forma. Meio perdido, o diretor deixa a desejar na hora de dar um sentido firme à obra. O foco mais esclarecedor com certeza é a relação de Paulinho com o seu avô, que poderia ter sido ainda melhor abordada. De qualquer forma, o filme possui grandes qualidades, como a bela fotografia de Lauro Escorel, que realmente mostra o clima nostálgico idealizado pelo jornalista.
    “A Suprema Felicidade” teria, na teoria, tudo para dar certo: ótimos atores, bom diretor, um roteiro promissor e a beleza da fotografia. Porém, na prática, não me atrevo nem a dizer que o próprio Arnaldo Jabor encontrou sua “suprema felicidade” no filme... ou o título seria uma ironia?


                                                                                 Ana Elizabeth S. de Azevedo

"A Suprema Felicidade"
Direção: Arnaldo Jabor
Roteiro: Arnaldo Jabor
Com: Marco Nanini, Dan Stulbach, Mariana Lima, Elke Maravilha, Jayme Matarazzo
Ano: 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

aflita

oito ou oitenta na vida - que diga, que viva, decida.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Me diz

Qual é o motivo, então
De existir nessa vida
Que não seja somente
Ser poesia?

Minha Utopia I

    Então eu acordo e tento olhar ao meu redor. Vazio. Um imenso nada de uma cor que não existe. Estou flutuando de uma forma antes pensada impossível, talvez isso seja a gravidade zero. O som também não existe. Não escuto nada, não vejo nada, não sinto nada. Não sinto nada com o tato. Parando para pensar, não possuo tato, não possuo corpo.
    O silêncio é, de alguma forma, o poder mais intenso dessa coisa/lugar onde me encontro. Me pergunto se realmente me encontro em algum lugar. Aqui o tempo e a mera existência que somos acostumados não fazem sentido, nem pensam em acontecer. Tento organizar meu pensamento, se é que consigo pensar. Levitação é uma palavra que eu poderia tentar utilizar para descrever essa sensação. Mas, entende, o estado em que me encontro é indizível. Ele, de fato, não existe.
    De qualquer maneira cá estou, atônita, tentando decifrar o que estou sentindo (se realmente estou sentindo algo). Êxtase, o cúmulo da paz interior e exterior. Eu e o nada, eu no nada, eu sou nada. Eu sou tudo. Esse vazio de alguma forma está me completando. É como se eu estivesse mergulhada em um mar de algo denso e ao mesmo tempo tão leve como uma brisa. Na verdade eu não estou nesse mar, eu sou esse mar. Não possuo mais matéria. Estou misturada nessa imensidão, partículas, penso que menores que os átomos, que são eu mesma, se fundem nesse grande vazio. Mas espera aí, estou sentindo alguma coisa a mais.
    É uma força ainda mais intensa que o silêncio, essa força agora também faz parte de mim. Ela entrou completamente nesse vazio. Agora me sinto, de fato, completa. Não peça para eu explicar, isso não existe, isso é o nirvana da alma. Ah, agora faz sentido.
    Sou completa, pois sou só alma. Sou completa pois essa força que chegou é a tua alma. Ápice da veemência nessa utopia. O encontro das almas da forma mais pura que se possa imaginar. Não tenta imaginar, é impossível. O impossível aqui, nesse espaço atemporal é a única coisa possível. O deleite prolongado ao máximo, a alma lépida para sempre.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Formato Mínimo de uma noite em Paris

Meu gosto por proparoxítonas e tua vontade de ler algum devaneio meu sobre qualquer coisa que poderia ter acontecido me ocorreram ao escutar essa música, rodeada de proparoxítonas e passível de inúmeras interpretações. Aqui além de interpretar ela, me atrevo a interpretar ele também. Um conto feito da música, das proparoxítonas e de um desejo franco, francês.

"Começou de súbito
A festa estava mesmo ótima
Ela procurava um príncipe
Ele procurava a próxima"

Súbito foi o encontro dos dois, na neve, no frio francês, dois viajantes em busca de aventuras diferentes.
Ótima a noite em que conversaram, se conheceram um pouco melhor. Ele não entendia ela, ela não entendia ele mas a compreensão e o encanto eram mútuos.
Príncipe ele não era.
Próxima ela estava cada vez mais dele.


"Ele reparou nos óculos
Ela reparou nas vírgulas
Ele ofereceu-lhe um ácido
E ela achou aquilo o máximo"

Óculos que ela não usava, que deixava claro seu olhar tímido porém insinuante mesmo sem querer.
Vírgulas em meio a frases mal(ou bem) ditas, conversas cruzadas, português, francês, inglês e desejo.
Ácido aqui seria o sotaque dele, porque ela realmente achou aquilo um
Máximo.


"Os lábios se tocaram ásperos
Em beijos de tirar o fôlego
Tímidos, transaram trôpegos
E ávidos, gozaram rápido"

Ásperos com certeza não seria o toque dos lábios dos dois. Íntimo, único e lírico aqui seriam proparoxítonas mais adequadas.
Fôlego ela já não tinha quando via ele de longe, quando o escutava e quando ele chegava mais perto.
Trôpegos? Só ela. No mínimo uma noite indizível.
Ávidos, com certeza.


"Ele procurava álibis
Ela flutuava lépida
Ele sucumbia ao pânico
E ela descansava lívida"

Álibis não existiam, nesse cenário não haviam desculpas para não acontecer. Os dois se entregaram sem hesitar.
Lépida, sim. Ela ficava, era, flutuava mais que lépida ao lado dele.
Pânico, ele se deixou levar, ela não era mais somente a próxima.
Lívida era a vontade de ambos. Vontade em todos os sentidos, de tudo, de compartilharem os míseros detalhes de cada um e de cada momento.


"O medo redigiu-se ínfimo
E ele percebeu a dádiva
Declarou-se dela, o súdito
Desenhou-se a história trágica"

Ínfima as diferenças e as consequências daquele encontro, naqueles instantes.
Dádiva para os dois.
Súdito ele se declarou, sem pensar no dia seguinte.
Trágica talvez fosse a tendência para o desfecho desse conto.


"Ele, enfim, dormiu apático
Na noite segredosa e cálida
Ela despertou-se tímida
Feita do desejo, a vítima"

Apático, aqui não.
Cálida era a noite em Paris, mas eles dormiram aquecidos, quentes.
Tímida ela acordou, sabendo o que viria a seguir.
Vítima do desejo, ela partiria daqui a pouco, assim como ele.


"Fugiu dali tão rápido
Caminhando passos tétricos
Amor em sua mente épico
Transformado em jogo cínico"

Rápido arrumou-se e partiu para seguir viagem.
Tétrico, triste e surpreso ele sentiu-se.
Épico o que tinham vivido, porém cada um seguiria seu caminho.
Cínico seria tentar mudar o destino que os esperava.


"Para ele, uma transa típica
O amor em seu formato mínimo
O corpo se expressando clínico
Da triste solidão, a rúbrica"

Típica a noite, mas não o sentimento.
Mínimo formato do amor, não naquela noite. Lá havia tomado outra forma.
Clínico e selvagem o encontro de seus corpos. O encontro da alma, poesia.
Rúbrica de uma história de uma noite só.

Um romance de um dia, uma lembrança de uma vida toda.



*Paris aqui representa qualquer lugar que habite a tua memória, só se deixar levar.

domingo, 1 de agosto de 2010

Olha, dói.

Olha, dói. Eu to com tanta raiva dos meus sentimentos que nem consigo escrever. Pensei em tantas coisas lindas pra escrever sobre as pessoas que eu gosto, sobre as pessoas que me fazem bem. Mas sei lá. Eu vivi um amor e ele acabou e não sei lidar com isso. Hoje eu acredito que o amor existe e dói muito saber que ele não existe pra mim. A gente tenta ver nas pessoas que encontramos aquilo que estamos procurando e é difícil ver que as coisas não são bem assim. Viver com intensidade é praticamente impossível para mim. Eu sou intensidade, quero tudo ao máximo e não sei lidar com a maioria dos acontecimentos. Quero que todo encontro seja verdadeiro, seja da alma, seja mútuo, seja vida real. Mas praticamente nunca é assim. Eu teimo em ser sincera e tentar sempre colocar em palavras o que eu to sentindo, mas não é assim que funcionam as coisas. Eu até posso acreditar que algum deles, de todos os meus amores, foram sinceros em algum momento, mas ao mesmo tempo é impossível não pensar que eles mentiram, enganaram e riram de mim. A vida é assim. Enquanto eu quero a intensidade verdade, o belo do encontro, eles querem só o libido, só o agora. Eu quero o momento eterno, aquilo que não se apaga. Olha, eu sei que passa. Sempre passa. Mas eu não esqueço não. Eu gosto de lembrar e de sonhar e de ter esperanças. Não sei por que, a dor que isso causa não é pouca. É grande, é forte. Como seria bom se tudo sempre fosse mútuo e só verdade. Nunca é, nunca vai ser. Meus sentimentos e minhas palavras hoje não estão se encontrando, é um conflito complicado. Eu sempre me importei demais e sinto que vou seguir assim por muito tempo, vou seguir me importando, muito. Eu não sei de mim, não sei dos meus amores, dos meus encontros e não sei se alguma coisa foi ou é verdade. Não sei de nada. E não to pretendendo saber, não. Hoje sou só sentimento, só isso que posso pensar em saber.
"Eu não devia te dizer, mas essa lua, mas esse conhaque, botam a gente comovido como o diabo."

sábado, 10 de julho de 2010

Recuerdos de uma mochila - Pacote de Horrores

    Chegamos em Copacabana, dessa vez morrendo de calor porque viajamos na parte de baixo do barco. Eram creio que cinco da tarde e nosso ônibus para Cusco sairia as seis e meia. Nosso dinheiro boliviano estava acabando mas o câmbio para soles em Copacabana estava um roubo, resolvemos esperar. Sentamos na praça central comendo um pacote gigante de doritos desejando mais que tudo um banho quente. Finalmente tinha chego a hora de partir, colocamos nossas mochilas cobertas por uma lona em cima da combi que nos levaria à fronteira e entramos no veículo. Entregamos as passagens.
    No dia que chegamos em Copacabana já compramos as passagens para Puno e para Cusco, tudo junto, da chola que nos atendeu, pois tinha sido muito barato e vimos que era um bom negócio. Até agora estava sendo. Até agora. Imagina a minha, a nossa cara quando o motorista viu nosso boleto e disse que não nos levaria. Disse que não nos levaria. QUÊÊÊ?????? Ele veio com um papo que tava tendo uma grande festa em Puno e que não nos levariam para Cusco pelo preço que havíamos pago, que tinha sido muito pouco. Oi? A gente paga mais se for o caso, seu moço, mas leva a gente. Quando eu comecei a gritar ele disse pra gente pegar as mochilas e sair da combi. Eu sai da combi. Sai da combi pra falar direitinho com ele, devagar, pensando na Pachamama. Ele disse então que nos levaria até Puno e lá ele veria o que fazer. Bom, pelo menos até Puno. Sério, que nervoso e ainda estava só começando.
    Descemos na fronteira e tivemos que atravessá-la a pé. Foi bizarro, na fila para carimbar o passaporte no lado boliviano com o Evo sempre nos olhando naqueles quadros gigantes. Foi bizarro, a gente atravessando a pé, estilo mexicanos indo para os Estados Unidos. Confesso que fiquei um pouco aliviada de ter saído da minha querida Bolívia. Por mais querida que seja, é bizarra. É exótica, linda, diferente, divertida e bizarra. O Peru me dava esperanças. Era o país da Stephanie, minha amiga do intercâmbio, era a terra sagrada de Machu Picchu, de Lima, enfim. O boliviano do mal que não queria nos levar avisou a todos da combi que deveríamos esperar por um bus na frente de uma casinha de polícia amarela, já no lado peruano. Imaginamos que o ônibus ia atravessar a fronteira e estacionar ali. Mas não.
    Passou-se meia hora e começamos a imaginar coisas. Estávamos todos sentados nas esquinas com uns taxis oferecendo corrida, pensando se cambiávamos moedas ou não, e claro, já pensando na chola malandra que nos vendeu as passagens, obviamente ela tinha um esquema com o boliviano do mal, tinham nos deixado ali, na fronteira, sozinhos, não iam voltar. Não era só nosso esse pensamento. Os irlandeses que iam junto, depois de ouvirem nossa história, começaram a acreditar também. Tinha uma francesa que, mais apavorada que nós, tinha ido à polícia. Resolvemos trocar dinheiro, pelo menos teríamos alguns soles. Estava ficando escuro, a noite ia surgindo junto com o medo. Foi o dia que mais senti medo na viagem, certamente. Talvez um dos únicos. Eu já estava certa que tinham nos passado a perna e que não iam nos buscar na fronteira.
    Bueno, não sei ao certo quanto tempo se passou, havia o fuso-horário e o pavor. Mas era noite escura quando finalmente o bem(ou mal)dito ônibus chegou. Ele estava caindo aos pedaços, o Dudu sentou no fundo com uma mulher e eu e a Leila sentamos na frente deles. Só lembro de chorar, agradecendo. Chorar vendo as fotos do Lúcio, só querendo um abraço apertado. Chorar pensando na minha mãe, se algo desse errado. Fui falar com o boliviano do mal e ele disse que ia ligar, mas que nos levava só até Puno. A gente nem queria mais ir direto pra Cusco, azar, desde que chegássemos numa cidade. A viagem foi horrível. O ônibus parava em alguns lugares, subiam cholas berrando com suas muambas. Era uma gritaria infernal e a gente não sabia ao certo o que ia ser daquilo ali. A maioria das pessoas que estavam no bus iam ficar em Puno ou ir para Arequipa. Só pretendiam ir para Cusco nós três e a mulher que sentou com o Dudu. Era madrugada quando chegamos a Puno. E agora?
    Pachamama, sempre ela. Seguimos o boliviano do mal, ficamos esperando num quisoque de uma agência na rodoviária e quando menos esperávamos, surge o boliviano do mal, mas nem tão do mal assim, com quatro passagens para Cusco. Sem nenhuma explicação ele nos deu as passagens, estávamos salvos. Quem diria, o boliviano do mal era na verdade o boliviano do bem. Mais um anjo na nossa história pela América.Queria encher ele de abraçaos apertados, mas né.
    Essa viagem foi ruim também, como a Leila me disse a pouco foi um "PACOTE DE HORRORES". Mas pelo menos estávamos a caminho da cidade mais antiga da América do Sul, cantando Shakira, agradecendo demais à Pachamama e ao boliviano do mal/bem. O hostel Pariwana, dica dos nossos primeiros anjos, estava à nossa espera.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Recuerdos de uma mochila - Isla del Sol

Nossa viagem se passou durante o período de chuvas na região andina do Peru e da Bolívia, chuva que impediu nossa visita à Machu Picchu mas que atrapalhou muito pouco nosso trajeto. Sem contar nosso segundo dia na Isla del Sol. Acordamos de manhã cedo preparados para fazer a trilha na ilha e nos deparamos com um temporal de uma intensidade frustante. Eram 8 horas da manhã, não saimos da cama e eu comecei a pensar na Pachamama, que nos protegeu durante toda viagem.
9 horas da manhã e a chuva seguia, a gente ainda não tinha saido do quarto, eu não podia acreditar, tínhamos que pegar o barco para a parte sul no início da tarde. Mas como eu já disse, Pachamama nos acompanhou durante todo o tempo e antes das 10 da manhã a chuva cedeu espaço para alguns poucos raios de sol e nuvens de todas as formas. Nos vestimos e saimos em busca das primeiras ruínas - e as que mais me tocaram - da viagem.
No início do caminho econtramos, ou melhor, fomos encontrados por uma cadela que nos acompanhou durante todo trajeto, saltitando e correndo pela trilha. Apelidamos nossa companheira fiel de Tessália, afinal naquela época tudo era uma Tessália. A trilha era de tirar o fôlego, literalmente, tanto pela subida quanto pela paisagem. A cada passo minha visão deslumbrava-se ainda mais, a magnitude do lago Titicaca, das suas ilhas e da cordilheira que o contorna é indizível. Tessália, por vezes corria na frente e quando pensávamos que ela havia nos deixado, aparecia toda de rabo abanando contente. Guia melhor que ela, que conhecia aquele caminho de cabo a rabo, não poderíamos ter encontrado. Graças às dicas dos nossos amigos da cidade maravilhosa, escapamos mais uma (ou mais) vezes de pagar pelos boletos opcionais. Nada contra os indígenas que penam para conseguir plata para sobreviver, ainda mais na Bolívia, mas também nada contra nosotros, humildes estudantes/mochileiros que andavámos com a plata contada para os dias de nosso trajeto.
Quando chegamos no topo da parte norte, minha mente ficou branca. Eu estava num daqueles momentos que beiram a perfeição, com aquele sentimento que é o melhor. Estava tudo no lugar, não havia como melhorar, apesar do cansaço, da minha cara torrada do sol e da sujeira. Eu me senti um pouco mais completa e ainda não tinha visto as ruínas. Foi impossível não sentir a energia quando finalmente chegamos nas ruínas escondidas na parte norte da isla sagrada, beirando o lago sagrado. Encontramos uns argentinos que haviam acampado ali mesmo, e não foi difícil crer quando eles disseram que, apesar da chuva, a noite tinha sido inacreditável.
As janelas apontavam para o lago, os altares para os ídolos estavam lá e as pequenas portas e corredores deixavam claro que o povo inca possuia uma estatura baixa (por isso tão inteligentes, haha). Tessália nos deu um susto quando se machucou e veio procurar consolo ao meu lado, me atrevo a dizer que ela entendia melhor que a gente o poder daquele lugar. Fomos os primeiros a chegar e podemos observar com tranquilidade cada canto daquele sítio. Porém, infelizmente tivemos que voltar pois não podíamos perder o barco.
O caminho de volta foi leve depois do banho de energia, eu estava começando a entender as consequências interiores daquela viagem, como disse, já me sentia mais completa. Tessália nos deixou exatamente onde nos tinha encontrado, deve ter voltado para casa. Nós voltamos para o povoado e tomamos um café da manhã com as paulistas e uns uruguaios que me fizeram rir do "ajjjer" e não "aier".
Partimos as 14h para a parte sul da ilha junto com nossas companheiras paulistas. Lá ficamos algumas horas antes de pegar o barco de volta para Copacabana e podemos observar a grande quantidade de gente mais velha e crianças, realmente é a parte mais turística da isla. Subimos um pouco numa trilha, para molhar as mãos nas fontes incas. Descansei, lagarteando no sol, extremamente contente por aquele dia, pensando nas pessoas que eu amo, que iriam, da mesma forma que eu, se encantar com aquele lugar. Além disso prometi que, daquele dia em diante, iria passar protetor solar e usar boné sempre. Mal eu podia imaginar que algumas horas mais tarde surgiria o primeiro momento verdadeiramente tenso da viagem.

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Desabafo após uma aventura de palavras

A necessidade que tenho de colocar minha alma, o fundo de mim mesma na folha de um papel me chama a todo instante. Mas sou fraca e sou descrente. Penso que as humildes palavras minhas de nada adiantarão para a minha jornada. Porém nem as palavras dos sábios, dos que me inspiram eu tenho procurado. Estou parada, estou morta para os meus anseios. É preciso momentos como uma simples visita para acordarem-me e mostrarem-me que sou possível. Sou possível. O tempo é uma invenção dos que não são loucos. O tempo é uma questão de tempo. Terei tempo. Lerei. Escreverei. Acordarei.


Agradecimento pelas palavras que me tocam, que me acordam.

Tuas palavras me arrepiam a cada frase! Ao lê-las, ao te ler, a inspiração jorra dentro de mim, quero escrever o mundo, quero escrever a minha alma! Visito teu blog para lembrar-me dos meus desejos, dos meus anseios e da possibilidade de realizá-los. Tu tens o mundo e tu tens a palavra. Não foi por acaso que o sonho sul-americano que vivemos nos pôs no mesmo caminho por alguns instantes. Hoje eu sei, era para eu poder te ler, te sentir e me inspirar, me fazer crer. Só me resta agradecer sempre e esperar tranquila por tuas palavras, por tua vivência, por tua poesia que me dão um pouco mais de vida a cada leitura.

terça-feira, 29 de junho de 2010

(im)publicação

Algo sobre minhas vontades e para as minhas amizades.
Aqui publico, passível de julgamento e tranquila de consciência.

Como seria se tudo o que eu penso e sinto fosse publicável? Que reações receberia de mim mesma? Como escrever pensamentos que, na teoria, são impensáveis? Momentos vividos na minha mente, na minha alma, mais verdadeiros que algumas lembranças. Dizer, escrever tudo aquilo que se passa dentro de mim, cada dúvida e certeza, cada vida e morte interior. É possível? Eu teria coragem de ler? Expor as sensações, o turbilhão de vida, de poema, de memória que sou. Todos que olhei, que toquei, que me olharam, que me tocaram. Todos que fazem parte dessa (im)publicação da minha vida. Tu fazes parte? Tu lerias?
Eu sou um pouco de cada um, me encontro nas lembranças, no passado e no presente. Divago sobre o futuro e ao terminar as linhas dessa folha de papel, minha companheira, deixo uma observação - escrita na parede do meu quarto -, para o amigo/irmão, também parte dessa estrada, @poli_quaresma:

"Desvario embora, lá tem seu método". - Quincas Borba ou Hamlet, vai saber.

Trago junto, no embalo, mais uma homenagem, comentário do comentário:

“Nossa amizade é unilateral” (!)(?)
Faço uma visita rápida pra deixar exposto a bi-unilateralidade da nossa amizade. Do meu lado eu te julgo, te aconselho e te admiro. Do teu lado tu me cede a tua amizade. Do meu lado, tu. Do teu lado, eu. Já disse várias vezes que pra mim, não importa o requinte, o tamanho do texto. Pra mim importa se me toca. Tu me toca sempre, tu passa exatamente o que tu sente, e me admiro que tu ainda insista em dizer que a nossa amizade é unilateral. Meu voto é sempre pra ti, apesar de todos os pesares. Beijos, até amanhã no meu blog. (ou agora)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Recuerdos de uma mochila - Copacabana

Acordamos cedo no dia seguinte, prontos para seguir viagem. La Paz tinha sido o início perfeito e ainda havia muitos quilômetros pela frente. Depois do último café da manhã no Loki, pegamos um ônibus simples para Copacabana - cidade que deu nome ao bairro carioca - a 155km de La Paz, na fronteira com o Peru e na beira do Lago Titicaca, o lago comercialmente navegável mais alto do mundo. A viagem, como a maioria, foi exuberante. Em alguns pontos do trajeto via-se o lago de um lado e os picos nevados da Cordilheira Real de outro*. É preciso atravessar uma parte de balsa para chegar à cidade. A vista é magnífica, o azul do lago possui uma intensidade que se mistura com o azul do céu, é imenso, rodeado de ilhas e suas águas se perdem no horizonte. Logo que fizemos a travessia, presenciamos um tipo de parada com uma banda boliviana e os indíos, soldados, enfim, marchando. Foi interessante.
A cidade de Copacabana é essencialmente turística, com a famosa Igreja de Nossa Senhora de Copacabana e o miradouro do morro do Calvário - que não conheci. Na rua principal só se pode ver pequenas agências vendendo passagens, principalmente para o nosso destino daquele dia, a Isla del Sol. Quando esperávamos na beira do lago, numa espécie de praia/pequeno porto, encontramos os paulistas e a alemã que haviámos conhecido numa noite no Loki La Paz, eles também estavam a caminho da Isla. Essa ilha é onde, dizem por aí, nasceu a civilização inca, quando o Deus Sol disse para seus filhos Manco Capac e Mama Ocllo se aquetarem um pouco por lá, antes de construir o império em Cusco.
Nosso transporte era um pequeno barco a motor, nos sentamos, obviamente, na parte de cima, no frio dos quase 4.000 metros de altitude e no sol durante quase duas horas. As consequências físicas dessa viagem seguiram comigo por vários dias... Chegamos na parte sul da ilha e fomos logo nos safando de pagar alguns bolivianos para as cholas que costumam se beneficiar dos turistas. Nos não pagamos graças às dicas dos amigos que fizemos em La Paz. Lá conhecemos mais duas paulistas e fomos todos os oito, em direção à parte norte da Isla. Nosso dinheiro boliviano estava no fim e como a parte norte é conhecida por ser mais barata e mais "roots", onde os jovens acampam, não hesitamos em partir minutos depois de termos chegado. Depois de mais uma hora viajando nas águas azuis do lago sagrado dos incas, chegamos à parte norte numa enseada.
Lá existe um pequena vila de índios quechua e aymara. Metade do grupo ficou responsável pelas mochilas, descansando na enseada enquanto a outra metade foi em busca de "habitaciones" com "ducha caliente" por poucos bolivianos. O que conseguimos, depois de muito subir e descer morros, foram dois quartinhos por uma miséria sem banho quente. Essa foi nossa primeira noite "acompanhados", as paulistas ficaram no quarto conosco. Depois de instalados, chegamos no outro lado da vila, onde havia uma praia e naquela hora lembrei muito de uns amigos bageenses. Era uma pequena praia de água doce, no lago sagrado, cheia de barracas e rodas de violão. O pessoal fazendo brincadeiras de circo, bem como os hippies na redenção, tinham porcos e burros caminhando e pequenas cholitas pedindo dinheiro. A paisagem era uma mistura do bizarro com o maravilhoso. O Dudu comprou umas Paceñas e logo nos aprochegamos com uns uruguaios, sentamos na areia, bebericando uma cerveja gostosa ao som do violão.. Os paulistas até tiraram um Chico Buarque no violão e aquele momento foi bonito.
Quando a noite e a temperatura começaram a cair, as coisas ficaram estranhas. Não havia postes de luz, andávamos com a lanterna do batom da Leila. Os índios nos olhavam como se fôssemos a atração principal da vila. Pretendiámos comer a famosa truta do lago, mas o dinheiro tava acabando e estávamos milhas e milhas e milhas e milhas de um caixa eletrônico. No final das contas, o Dudu economizou nas cervejas (hehe) e depois de comer uma "Salchipapa" (salsicha de procedência duvidosa com enormes batatas/tubérculos/gigantes fritas) por menos de um real, fomos num "restaurante" dividir uma truta. Era uma sala com três mesas e uma cozinha. As paulistas se enfiaram numa cozinha de barro, no pátio de uma casa e cozinharam uma massa, até hoje não entendo como e se aquilo deu certo. Eu tomei uma sopa de quínua bem gostosa e o Dudu e a Leila dividiram o prato que vinha a Truta. Lá conhecemos uma americana de meia idade que tinha tirado o ano, ou mais, para viajar pelas Américas. Batemos um papo ótimo, fora as discordâncias com um paulista do contra, e descobrimos que provavelmente o peixe que a gente comeu não era truta nem no Titicaca, nem na China. Oh, well. Passeamos um pouco pelo lual na beira da praia e logo voltamos para nossa "pousada" descansar.
Eu tava podre de cansada, sem banho, com a cara completamente queimada do sol, com o nariz escorrendo, mas extremamente contente e empolgada para fazer a trilha e ver as primeiras ruínas incas da viagem, no dia seguinte.

*Como diz no meu diário, escrito empolgadamente, no calor da hora: "de um lado o titicaca, do outro lado a cordilheira real e do outro lado o titicaca"
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sexta-feira, 4 de junho de 2010

Recuerdos de uma mochila - La Paz IV

O dia seguinte foi nosso último dia na "capital" da Bolívia. Levantamos e tomamos um café da manhã tranquilo - pão com geléia e chá de coca. Nossos pulmões já estavam relativamente acostumados com a altitude. Saímos para procurar uma máquina fotográfica, já que a minha havia estragado no Chacaltaya. Os guris nos mostraram um bairro onde eram vendidos aparelhos eletrônicos. Fomos caminhando pela cidade, subindo e se afastando do centro turístico. Chegamos num ponto onde eram vendidas as coisas para os locais. Lá tinham as saias, os sapatos, chapéus e tudo o que as cholas usam. Tentei convencer a Leila a comprar uma saia de chola comigo, mas não rolou. Depois de muito procurar chegamos num bairro bem interessante por assim dizer. Eram como camelôs enormes, mas que vendiam somente eletrônicos. Televisões de plasma, sons, telefones, filmadoras, e por aí vai. Demorei pra encontrar a máquina que resolvi comprar, mas penso que fiz um bom negócio. Não sei se mencionei que o real é bem valorizado na Bolívia, ou seja, as coisas são muito baratas. Nessa hora já havia passado do meio dia e estávamos morrendo de fome. Estávamos voltando para o centro e encontramos os nossos companheiros cariocas e catarinas. O Dudu resolveu comprar um mochilão enquanto todo mundo ia fazendo mais algumas comprinhas. Andamos de um lado para outro até resolver almoçar o prato do dia de um restaurante simples lá no centrão com cardápio escrito em hebraico. O almoço foi ótimo, eu estava com máquina fotográfica de novo, feliz, enchendo o saco dos outros com a minha alegria, tava passando uma tourada na televisão e a gente comeu bem por pouco. Engraçado e divertido? Sempre.
De tarde exploramos mais o marcado das bruxas, hesitei em comprar uma múmia de lhamita para enterrar no terreno de casa, mas não comprei. O colorido daquelas ruelas me surpreendiam a todo instante, é apaixonante. Perambulamos por todos os lados na Calle Sagárnaga tentando encontrar uma passagem barata para Copacabana, na beira do lago Titicaca, nosso próximo destino. Encontramos. Ainda fomos no banco, nas casas de câmbio e no el prado, uma rua mais chique, por assim dizer, da cidade.
De volta no albergue ficamos batendo papo com o pessoal de Brasília que iria embora no outro dia. Na verdade quase todos estavam indo embora no outro dia. Arrumamos as coisas no quarto e descansamos um pouco - fazendo bobagens, brincando, discutindo e se não eu ou a Leila, sempre o Dudu rindo. Ele estava meio que completamente de ressaca então nem jantou, eu e a Leila comemos um mega sanduiche com papas fritas assistindo o casal sueco jogar um estranho jogo de cartas. Todos os dias e todo o tempo o casal estava jogando cartas. Vício. De noite teve uma festa a fantasia no albergue e foi muito engraçado ver o pessoal fantasiado. Nossa última noite foi certamente marcada por dois malas que encontraram nosso grupo brasileiro. Um carioca - de Niterói merrrmão e um mineiro que estavam podre de bêbados e só nos fizeram rir. A primeira parte da viagem havia chegado ao fim, foi meio nostálgico e triste me despedir dos primeiros amigos, anjinhos que encontramos na viagem. O mochilão é feito de pequenos momentos, dos lugares que visitamos, das sensações que sentimos e das pessoas que conhecemos. Naquela noite agradeci, como todos os dias, mas especialmente pelo início perfeito que tivemos na nossa viagem. E ela estava apenas começando.

Recuerdos de uma mochila - La Paz III

Chegamos no albergue cansados e felizes. O banho, como sempre, reconfortante e o cansaço pedia a cama. Mais tarde descemos para jantar com os outros brasileiros, tinha carioca e catarina. Como podia se esperar o fogo não funcionou direito na cozinha para os hóspedes então tivemos que esperar para poder usar a cozinha do hostel mesmo. Nesse meio tempo demos risada e conhecemos um pouco mais o pessoal. A espera valeu muito a pena, o catarina Marlon, que tive a sorte de encontrar, é um cozinheiro de mão cheia e com certeza aquela massa carbonara tão esperada entrou pra lista dos melhores pratos que eu já comi. Depois da janta fomos para o bar "hang out". Era hora de provar as bebidas. Nem acreditei quando vi que eles tinham Jägermeister lá! É uma bebida extremamente interessante que se toma com energético nas chamadas Jäger bombs, essas bombas definitivamente marcaram meu intercâmbio lá nos Estados Unidos. Mas, infelizmente as bombas estavam muito caras então preferimos Tequila Sunrise. DELÍCIA. Tequila + coisa doce, poderia ser melhor? Enquanto eu me deliciava com o coquetel o Dudu começou uma empreitada de provar todas as cervejas do bar, o que obviamente não acabou muito bem. A cerveja de La Paz, a Paceña é realmente muito boa e foi o que tomamos mais. O clima era ótimo, gente de todos os lugares do mundo, completamente ou parcialmente loucos, curtindo ao máximo. Nos juntamos com creio que todos os brasileiros do albergue e dançamos, pintamos e bordamos. Encontramos um paulista que mora aqui em Porto Alegre, com a minha colega de trabalho. Oi? Rimos das estrangeiras duras dançando, rimos dos bartenders, dos sotaques, dos borrachos, rimos da vida, rimos do mundo. Falávamos em português, espanhol, inglês, portunhol, javanês e por aí vai.. Depois de um tempo a Leila e o Dudu já estavam tomando coca com rum e sei lá o que mais. O melhor da noite foram os dois trêbados fazendo eu rir no quarto. Quando o bar fechou, no início da madrugada, um pessoal partiu pra uma festa e nos voltamos para o quarto, tendo gastado o dobro do previsto na noite, mas se divertido o dobro também.
Tequila Sunrise
Brasileiros no Loki Hostel
Paceña - es cerveza

Recuerdos de uma mochila - La Paz II

Acordamos cedo, estava frio, colocamos todas as roupas possíveis e fomos tomar café. Pão com geléia e chá nos acompanharam durante toda viagem. Enquanto o Dudu e a Leila terminavam o café eu fui pro saguão esperar nosso guia e pela primeira vez na viagem escutei português que não veio de nós 3. Era um casal e mais um amigo de Brasília. Eu pensava que o mais interessante seria os papos estrangeiros, as pessoas dos outros países... mas na verdade o melhor da viagem foi todos os outros brasileiros que encontramos. Cada um de um canto e todo mundo junto com o mesmo objetivo, trocando experiências, ajudando uns aos outros e aproveitando cada minuto. Aprendi a gostar dos outros sotaques (menos o nordestino, né). Com eles peguei várias dicas de albergues no Chile e pra viagem em si, La Paz era a última parada deles e a nossa primeira. Dudu e Leila sairam pra comprar um remédio pra altitude, afinal tínhamos chegado um dia antes, nossos pulmões ainda não estavam acostumados. Um pouco depois, ainda esperando o guia, mais dois brasileiros. No final das contas nossa trupe para o Chacaltaya era essencialmente brasileira. Nós 3, mais 5 e um casal europeu/asiático. O monte ficava a alguns quilômetros da cidade e ainda paramos para comprar bolachas e folhas de coca. Os guris nos ensinaram a mastigar e acredito que isso nos salvou lá em cima.
Esse dia com certeza foi um dos mais especiais da viagem. Vi pela primeira vez as queridas alpacas e lhamas, até guanacos. Os guris iam contando histórias da viagem deles, que também estava no fim enquanto só me restava imaginar o que nos esperava no resto da viagem. Fui rindo, sempre meio tonta e estupefata com a paisagem ao nosso redor.

Os picos da cordilheira rodeavam os campos onde passávamos e logo começamos uma subida íngrime na beira de um penhasco, em direção ao nosso destino. Acontece que na noite anterior havia nevado muito o que acabou impossibilitando nossa pequena kombi de subir inteiramente o Chacaltaya. O Dudu e a Leila estavam na neve pela primeira vez.
De repente estávamos nós 3, afoitos, subindo o Chacaltaya a pé. O Dudu não negou raça e logo nos passou. Eu e a Leila ficamos pra trás, tirando fotos, e sofrendo com o pulmão apertado.

Fomos até o nosso limite. Aliás, o meu limite, a Leila poderia ter continuado, estávamos acima dos 5.000 metros de altitude. Outro grupo nos passou e nos sentamos para descansar. Nessa hora a minha máquina fotográfica pifou, estragou de vez. Mas isso foi o único detalhe negativo do dia. Fizemos a Tessália, nossa boneca de neve, fizemos anjinho na neve e pulamos como crianças. Quando a neblina começou a descer eu disse "Leila, vai nevar para a gente". Nevou.

Com certeza essa é uma das melhores lembranças da viagem. Eu e a minha amiga pulando, morrendo de rir, sentindo o máximo daquele momento, comendo neve, congelando os pés, enfim, só diversão, pura alegria. Fomos voltando para a kombi e entramos para tentar descongelar os pés e comer bolachas. Sensação inexplicável.
O resto do grupo voltou, vibrando por ter chego no topo e seguimos caminho. Paramos num miradouro e a visão da cidade da paz foi indescritível.

Descemos de volta a cidade e passamos pela parte rica, onde realmente parecia uma cidade como outra qualquer, La Paz é mesmo uma cidade de extremos e exótica ao máximo. Pouco tempo depois do frio congelante da Cordilheira estávamos de camiseta de manga curta andando rápido pelo Valle de la Luna. Formações rochosas surpreendentes que realmente faziam crer estar na lua.

Um momento especial foi quando um índio no topo de uma das rochas tocava uma melodia suave com aquelas flautas latinas. Foi incrível. Nossa guia falava em espanhol sobre geografia, história, lendas, enfim. Os cactus eram enormes, de deixar o meu pobre Damian lá embaixo. Bueno, combinamos uma janta e voltamos para o albergue, o dia ainda não tinha acabado.