Aquele sentimento que é a plenitude da beleza, que completa totalmente a alma. Ápice do deleite.
Além da felicidade, apogeu. Íntimo, único e lírico. Máximo, lépido e épico. Eu quero.

sábado, 10 de julho de 2010

Recuerdos de uma mochila - Pacote de Horrores

    Chegamos em Copacabana, dessa vez morrendo de calor porque viajamos na parte de baixo do barco. Eram creio que cinco da tarde e nosso ônibus para Cusco sairia as seis e meia. Nosso dinheiro boliviano estava acabando mas o câmbio para soles em Copacabana estava um roubo, resolvemos esperar. Sentamos na praça central comendo um pacote gigante de doritos desejando mais que tudo um banho quente. Finalmente tinha chego a hora de partir, colocamos nossas mochilas cobertas por uma lona em cima da combi que nos levaria à fronteira e entramos no veículo. Entregamos as passagens.
    No dia que chegamos em Copacabana já compramos as passagens para Puno e para Cusco, tudo junto, da chola que nos atendeu, pois tinha sido muito barato e vimos que era um bom negócio. Até agora estava sendo. Até agora. Imagina a minha, a nossa cara quando o motorista viu nosso boleto e disse que não nos levaria. Disse que não nos levaria. QUÊÊÊ?????? Ele veio com um papo que tava tendo uma grande festa em Puno e que não nos levariam para Cusco pelo preço que havíamos pago, que tinha sido muito pouco. Oi? A gente paga mais se for o caso, seu moço, mas leva a gente. Quando eu comecei a gritar ele disse pra gente pegar as mochilas e sair da combi. Eu sai da combi. Sai da combi pra falar direitinho com ele, devagar, pensando na Pachamama. Ele disse então que nos levaria até Puno e lá ele veria o que fazer. Bom, pelo menos até Puno. Sério, que nervoso e ainda estava só começando.
    Descemos na fronteira e tivemos que atravessá-la a pé. Foi bizarro, na fila para carimbar o passaporte no lado boliviano com o Evo sempre nos olhando naqueles quadros gigantes. Foi bizarro, a gente atravessando a pé, estilo mexicanos indo para os Estados Unidos. Confesso que fiquei um pouco aliviada de ter saído da minha querida Bolívia. Por mais querida que seja, é bizarra. É exótica, linda, diferente, divertida e bizarra. O Peru me dava esperanças. Era o país da Stephanie, minha amiga do intercâmbio, era a terra sagrada de Machu Picchu, de Lima, enfim. O boliviano do mal que não queria nos levar avisou a todos da combi que deveríamos esperar por um bus na frente de uma casinha de polícia amarela, já no lado peruano. Imaginamos que o ônibus ia atravessar a fronteira e estacionar ali. Mas não.
    Passou-se meia hora e começamos a imaginar coisas. Estávamos todos sentados nas esquinas com uns taxis oferecendo corrida, pensando se cambiávamos moedas ou não, e claro, já pensando na chola malandra que nos vendeu as passagens, obviamente ela tinha um esquema com o boliviano do mal, tinham nos deixado ali, na fronteira, sozinhos, não iam voltar. Não era só nosso esse pensamento. Os irlandeses que iam junto, depois de ouvirem nossa história, começaram a acreditar também. Tinha uma francesa que, mais apavorada que nós, tinha ido à polícia. Resolvemos trocar dinheiro, pelo menos teríamos alguns soles. Estava ficando escuro, a noite ia surgindo junto com o medo. Foi o dia que mais senti medo na viagem, certamente. Talvez um dos únicos. Eu já estava certa que tinham nos passado a perna e que não iam nos buscar na fronteira.
    Bueno, não sei ao certo quanto tempo se passou, havia o fuso-horário e o pavor. Mas era noite escura quando finalmente o bem(ou mal)dito ônibus chegou. Ele estava caindo aos pedaços, o Dudu sentou no fundo com uma mulher e eu e a Leila sentamos na frente deles. Só lembro de chorar, agradecendo. Chorar vendo as fotos do Lúcio, só querendo um abraço apertado. Chorar pensando na minha mãe, se algo desse errado. Fui falar com o boliviano do mal e ele disse que ia ligar, mas que nos levava só até Puno. A gente nem queria mais ir direto pra Cusco, azar, desde que chegássemos numa cidade. A viagem foi horrível. O ônibus parava em alguns lugares, subiam cholas berrando com suas muambas. Era uma gritaria infernal e a gente não sabia ao certo o que ia ser daquilo ali. A maioria das pessoas que estavam no bus iam ficar em Puno ou ir para Arequipa. Só pretendiam ir para Cusco nós três e a mulher que sentou com o Dudu. Era madrugada quando chegamos a Puno. E agora?
    Pachamama, sempre ela. Seguimos o boliviano do mal, ficamos esperando num quisoque de uma agência na rodoviária e quando menos esperávamos, surge o boliviano do mal, mas nem tão do mal assim, com quatro passagens para Cusco. Sem nenhuma explicação ele nos deu as passagens, estávamos salvos. Quem diria, o boliviano do mal era na verdade o boliviano do bem. Mais um anjo na nossa história pela América.Queria encher ele de abraçaos apertados, mas né.
    Essa viagem foi ruim também, como a Leila me disse a pouco foi um "PACOTE DE HORRORES". Mas pelo menos estávamos a caminho da cidade mais antiga da América do Sul, cantando Shakira, agradecendo demais à Pachamama e ao boliviano do mal/bem. O hostel Pariwana, dica dos nossos primeiros anjos, estava à nossa espera.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Recuerdos de uma mochila - Isla del Sol

Nossa viagem se passou durante o período de chuvas na região andina do Peru e da Bolívia, chuva que impediu nossa visita à Machu Picchu mas que atrapalhou muito pouco nosso trajeto. Sem contar nosso segundo dia na Isla del Sol. Acordamos de manhã cedo preparados para fazer a trilha na ilha e nos deparamos com um temporal de uma intensidade frustante. Eram 8 horas da manhã, não saimos da cama e eu comecei a pensar na Pachamama, que nos protegeu durante toda viagem.
9 horas da manhã e a chuva seguia, a gente ainda não tinha saido do quarto, eu não podia acreditar, tínhamos que pegar o barco para a parte sul no início da tarde. Mas como eu já disse, Pachamama nos acompanhou durante todo o tempo e antes das 10 da manhã a chuva cedeu espaço para alguns poucos raios de sol e nuvens de todas as formas. Nos vestimos e saimos em busca das primeiras ruínas - e as que mais me tocaram - da viagem.
No início do caminho econtramos, ou melhor, fomos encontrados por uma cadela que nos acompanhou durante todo trajeto, saltitando e correndo pela trilha. Apelidamos nossa companheira fiel de Tessália, afinal naquela época tudo era uma Tessália. A trilha era de tirar o fôlego, literalmente, tanto pela subida quanto pela paisagem. A cada passo minha visão deslumbrava-se ainda mais, a magnitude do lago Titicaca, das suas ilhas e da cordilheira que o contorna é indizível. Tessália, por vezes corria na frente e quando pensávamos que ela havia nos deixado, aparecia toda de rabo abanando contente. Guia melhor que ela, que conhecia aquele caminho de cabo a rabo, não poderíamos ter encontrado. Graças às dicas dos nossos amigos da cidade maravilhosa, escapamos mais uma (ou mais) vezes de pagar pelos boletos opcionais. Nada contra os indígenas que penam para conseguir plata para sobreviver, ainda mais na Bolívia, mas também nada contra nosotros, humildes estudantes/mochileiros que andavámos com a plata contada para os dias de nosso trajeto.
Quando chegamos no topo da parte norte, minha mente ficou branca. Eu estava num daqueles momentos que beiram a perfeição, com aquele sentimento que é o melhor. Estava tudo no lugar, não havia como melhorar, apesar do cansaço, da minha cara torrada do sol e da sujeira. Eu me senti um pouco mais completa e ainda não tinha visto as ruínas. Foi impossível não sentir a energia quando finalmente chegamos nas ruínas escondidas na parte norte da isla sagrada, beirando o lago sagrado. Encontramos uns argentinos que haviam acampado ali mesmo, e não foi difícil crer quando eles disseram que, apesar da chuva, a noite tinha sido inacreditável.
As janelas apontavam para o lago, os altares para os ídolos estavam lá e as pequenas portas e corredores deixavam claro que o povo inca possuia uma estatura baixa (por isso tão inteligentes, haha). Tessália nos deu um susto quando se machucou e veio procurar consolo ao meu lado, me atrevo a dizer que ela entendia melhor que a gente o poder daquele lugar. Fomos os primeiros a chegar e podemos observar com tranquilidade cada canto daquele sítio. Porém, infelizmente tivemos que voltar pois não podíamos perder o barco.
O caminho de volta foi leve depois do banho de energia, eu estava começando a entender as consequências interiores daquela viagem, como disse, já me sentia mais completa. Tessália nos deixou exatamente onde nos tinha encontrado, deve ter voltado para casa. Nós voltamos para o povoado e tomamos um café da manhã com as paulistas e uns uruguaios que me fizeram rir do "ajjjer" e não "aier".
Partimos as 14h para a parte sul da ilha junto com nossas companheiras paulistas. Lá ficamos algumas horas antes de pegar o barco de volta para Copacabana e podemos observar a grande quantidade de gente mais velha e crianças, realmente é a parte mais turística da isla. Subimos um pouco numa trilha, para molhar as mãos nas fontes incas. Descansei, lagarteando no sol, extremamente contente por aquele dia, pensando nas pessoas que eu amo, que iriam, da mesma forma que eu, se encantar com aquele lugar. Além disso prometi que, daquele dia em diante, iria passar protetor solar e usar boné sempre. Mal eu podia imaginar que algumas horas mais tarde surgiria o primeiro momento verdadeiramente tenso da viagem.