Chegamos em Copacabana, dessa vez morrendo de calor porque viajamos na parte de baixo do barco. Eram creio que cinco da tarde e nosso ônibus para Cusco sairia as seis e meia. Nosso dinheiro boliviano estava acabando mas o câmbio para soles em Copacabana estava um roubo, resolvemos esperar. Sentamos na praça central comendo um pacote gigante de doritos desejando mais que tudo um banho quente. Finalmente tinha chego a hora de partir, colocamos nossas mochilas cobertas por uma lona em cima da combi que nos levaria à fronteira e entramos no veículo. Entregamos as passagens.
No dia que chegamos em Copacabana já compramos as passagens para Puno e para Cusco, tudo junto, da chola que nos atendeu, pois tinha sido muito barato e vimos que era um bom negócio. Até agora estava sendo. Até agora. Imagina a minha, a nossa cara quando o motorista viu nosso boleto e disse que não nos levaria. Disse que não nos levaria. QUÊÊÊ?????? Ele veio com um papo que tava tendo uma grande festa em Puno e que não nos levariam para Cusco pelo preço que havíamos pago, que tinha sido muito pouco. Oi? A gente paga mais se for o caso, seu moço, mas leva a gente. Quando eu comecei a gritar ele disse pra gente pegar as mochilas e sair da combi. Eu sai da combi. Sai da combi pra falar direitinho com ele, devagar, pensando na Pachamama. Ele disse então que nos levaria até Puno e lá ele veria o que fazer. Bom, pelo menos até Puno. Sério, que nervoso e ainda estava só começando.
Descemos na fronteira e tivemos que atravessá-la a pé. Foi bizarro, na fila para carimbar o passaporte no lado boliviano com o Evo sempre nos olhando naqueles quadros gigantes. Foi bizarro, a gente atravessando a pé, estilo mexicanos indo para os Estados Unidos. Confesso que fiquei um pouco aliviada de ter saído da minha querida Bolívia. Por mais querida que seja, é bizarra. É exótica, linda, diferente, divertida e bizarra. O Peru me dava esperanças. Era o país da Stephanie, minha amiga do intercâmbio, era a terra sagrada de Machu Picchu, de Lima, enfim. O boliviano do mal que não queria nos levar avisou a todos da combi que deveríamos esperar por um bus na frente de uma casinha de polícia amarela, já no lado peruano. Imaginamos que o ônibus ia atravessar a fronteira e estacionar ali. Mas não.
Passou-se meia hora e começamos a imaginar coisas. Estávamos todos sentados nas esquinas com uns taxis oferecendo corrida, pensando se cambiávamos moedas ou não, e claro, já pensando na chola malandra que nos vendeu as passagens, obviamente ela tinha um esquema com o boliviano do mal, tinham nos deixado ali, na fronteira, sozinhos, não iam voltar. Não era só nosso esse pensamento. Os irlandeses que iam junto, depois de ouvirem nossa história, começaram a acreditar também. Tinha uma francesa que, mais apavorada que nós, tinha ido à polícia. Resolvemos trocar dinheiro, pelo menos teríamos alguns soles. Estava ficando escuro, a noite ia surgindo junto com o medo. Foi o dia que mais senti medo na viagem, certamente. Talvez um dos únicos. Eu já estava certa que tinham nos passado a perna e que não iam nos buscar na fronteira.
Bueno, não sei ao certo quanto tempo se passou, havia o fuso-horário e o pavor. Mas era noite escura quando finalmente o bem(ou mal)dito ônibus chegou. Ele estava caindo aos pedaços, o Dudu sentou no fundo com uma mulher e eu e a Leila sentamos na frente deles. Só lembro de chorar, agradecendo. Chorar vendo as fotos do Lúcio, só querendo um abraço apertado. Chorar pensando na minha mãe, se algo desse errado. Fui falar com o boliviano do mal e ele disse que ia ligar, mas que nos levava só até Puno. A gente nem queria mais ir direto pra Cusco, azar, desde que chegássemos numa cidade. A viagem foi horrível. O ônibus parava em alguns lugares, subiam cholas berrando com suas muambas. Era uma gritaria infernal e a gente não sabia ao certo o que ia ser daquilo ali. A maioria das pessoas que estavam no bus iam ficar em Puno ou ir para Arequipa. Só pretendiam ir para Cusco nós três e a mulher que sentou com o Dudu. Era madrugada quando chegamos a Puno. E agora?
Pachamama, sempre ela. Seguimos o boliviano do mal, ficamos esperando num quisoque de uma agência na rodoviária e quando menos esperávamos, surge o boliviano do mal, mas nem tão do mal assim, com quatro passagens para Cusco. Sem nenhuma explicação ele nos deu as passagens, estávamos salvos. Quem diria, o boliviano do mal era na verdade o boliviano do bem. Mais um anjo na nossa história pela América.Queria encher ele de abraçaos apertados, mas né.
Essa viagem foi ruim também, como a Leila me disse a pouco foi um "PACOTE DE HORRORES". Mas pelo menos estávamos a caminho da cidade mais antiga da América do Sul, cantando Shakira, agradecendo demais à Pachamama e ao boliviano do mal/bem. O hostel Pariwana, dica dos nossos primeiros anjos, estava à nossa espera.
Um comentário:
Esses teus relatos de viagem me matam de inveja. Eu, geralmente, só minto.
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